Estou experimentando um sentimento de estranhamento com o que sempre me foi familiar. Em férias no Rio depois de 3 anos morando em Tóquio, os amigos me perguntam como estou. Sentimentos contraditórios e confusos trafegam em mim e é difícil explicar. Opressão e sufocamento. Me comparo a uma pessoa que sempre morou em uma cidade pequena, se muda para uma metrópole e depois de anos vai visitar a família e os amigos que ficaram. Mas como posso comparar o Rio de Janeiro a uma cidade pequena?
Como o Rio, Tóquio é uma cidade imensa. Mas Tóquio me pertence por inteiro, como a todos os seus cidadãos. Tenho a liberdade de pegar um metrô e saltar em qualquer estação para explorar um bairro desconhecido com segurança, me perder pelas ruas em que nunca andei, sabendo que logo vou tropeçar em uma estação de onde poderei seguir para outro lugar ou voltar para casa. As praças, parques e a baía de Tóquio me pertencem, como a todos os seus cidadãos. Usufruo desses lugares quando eu quiser, de dia ou de noite, cheios ou vazios. Meus filhos correm soltos, minha filha de oito anos vai ao supermercado do meu bairro sozinha para comprar um sorvete. Tóquio me pertence, como a todos os seus cidadãos.
O Rio me oprime porque aqui só circulo na minha zona de conforto, a mesma em que circulei durante toda a minha vida. Confesso que isso pode até ser culpa minha, poderia ser mais corajosa. Tantos lugares da minha cidade, que não me pertence, eu não conheço. Por causa dos motivos familiares a todos os cidadãos cariocas que não são donos de sua cidade: falta de mobilidade urbana, falta de segurança, falta de cuidado com o espaço público. Uma cidade que não nos pertence.
Muito barulho também oprime e sufoca. Principalmente dos ônibus que circulam em número absurdo na rua em frente ao apartamento da minha sogra, onde estou hospedada. Tóquio é uma cidade silenciosa e tem a maior população urbana do mundo. Um dos motivos: o transporte em massa acontece nos trilhos embaixo da terra.
O carro me oprime e sufoca. Não tenho carro em Tóquio, me locomovo a pé, de bicicleta, de ônibus e de metrô. Me acostumei ao vento no rosto e à democracia de partilhar o transporte coletivo, que é mais sustentável e justo. No carro, estou confinada e presa no trânsito, meu tempo é desperdiçado e poluo o ar que respiro.
O apartheid social do Rio me oprime e sufoca. Confinada na Zona Sul, só convivo com os mais privilegiados, o que me incomoda demais. Mea Culpa mais uma vez, talvez devesse ser mais corajosa. O lugar em que me senti mais livre foi na praia, espaço carioca ainda democrático. Lá senti o espírito carioca em sua essência, a liberdade do despojamento que tanto amo e faz parte de mim. Lá respirei o cheiro do mar e senti o calor do sol, junto com pessoas de diferentes bairros e até países, se deliciando em um espaço que naquele momento lhes pertencia de verdade. Praia de Ipanema em um dia de semana, já com a segurança para os Jogos Olímpicos sendo testada, sem o medo de um arrastão a qualquer momento. Um privilégio que deveria ser muito mais comum. O vendedor de mate, biscoito Globo e sorvete Itália. Sensações que me levam de volta à adolescência. Há 25 anos já existia violência e desordem urbana, mas elas não me oprimiam tanto. Talvez fossem menores, talvez a minha juventude não me deixasse ter consciência dos problemas que tanto oprimem e sufocam.
Sempre fui extremamente bairrista, isso antes de me mudar para Tóquio. Ainda amo o Rio de Janeiro mas meu amor não é mais incondicional. Hoje sei o que é ter uma cidade que me pertence e pertence a todos.
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Há dez anos moro em outra cidade que não o Rio. Há dez anos continuo indo e vindo por férias ou simplesmente para visitar e matar saudade. Ás vezes estranho. Ás vezes não. Aí acabo pensando que o problema talvez seja a nossa mania de esperar que a cidade nos pertença ao invés de pertencer a ela um pouquinho tb. Talvez o morador do Rio esteja sempre esperando que a cidade se entregue a ele sem oferecer a recíproca verdadeira. As cidades são feitas por pessoas. As pessoas fazem as cidades <3
É exatamente isso. Tóquio pertence a mim e a todos porque é cuidada com carinho por seus habitantes, que têm o respeito ao outro e ao espaço público como regra fundamental de convivência. Explico isso em muitos posts, como esse: Sobre bicicletas e deslumbramento – Miscelânea
https://tokyorio.com/2016/02/19/sobre-bicicletas-e-deslumbramento/
Nada a ver. Tokyo é horrivel. Ninguém fala com ninguém na rua. Deus me livre morar lá. Comparar com o Rio é até piada. Moro em Ipanema, e desculpem…..moro MUITO melhor que qualquer um No mundo. Morei em várias cidades: Miami, Los Angeles, Londres….e morei bem. Mas ipanema….O rio eu só trocaria por California, e mesmo assim uns 4 meses ao ano. Tokyo…..essa foi boa.Kkkkkkk
Que bom que você é tão feliz, Fábio!
O Brasil é uma vergonha. Morei na Europa e sei o que é este sentimento de liberdade e segurança. Nojo da corja política que nos força a viver em meio à violência. Falta tudo por aqui: saúde, educação, vergonha na cara…triste. Curta o Japão. O melhor daqui, são nossa família e nossos amigos. Curta-os enquanto estiver em terras tupiniquins.
Vergonha é a Europa: chata pra carai…gente racista e fria. Só velharia….kkkk
Só respeito os Eua. O resto eu nem leio. Kkkk
Sou nissei e moro em Santo André, SP. Morei 3 anos em província de Ibaraki, próximo de Tókio. Quando retornei ao Brasil em 1994, pouco antes do Plano Real, senti o mesmo que você descreveu. Tudo parecia fora de órbita. Queria voltar logo ao Japão. Mas usei a expressão “gambate” e fui à luta e cá estou há 22 anos na busca do meu espaço, torcendo para que a situação do nosso país melhore. Volto ao Japão com a minha família em março de 2017, mas a passeio, pra sentir novamente “em casa”. A casa dos meus pais…como eu gostaria que o Brasil que tanto amo, fosse um pouco do Japão. Quem sabe um dia…
Morei em hamamatsu….. Agora em Palmas/TO…. Além de ser pequena, não eh em qualquer lugar q andamos aqui em Palmas…
Moro em Belo Horizonte, onde o caos, barulho e insegurança são os mesmos do Rio de Janeiro. Tenho acompanhado suas publicações e realmente podemos concluir que morar em uma cidade imensa pode ser um grande prazer, qdo ordem e civilidade existem. Fui apenas 2 vezes ao Japão, mas deu para sentir a educação e a gentileza do povo, fato que vem se tornando incomum no Brasil. Uma pena.
amei a frase:amo o Rio mas agora é condicional.
Morei em Tokio ..depois disso penso a mesma coisa do Brasil…
Taiga, definitivamente não sou uma pessoa do mundo. Gosto e necessito das viagens, mas me sinto muito mais feliz com o retorno. Talvez por isso seja tão difícil pra mim entender uma criança de 6 anos sozinha no metrô indo à escola, outra de 8 sem os pais comprando sorvete no bairro vizinho. Deve ser fantástica essa sensação de liberdade. Por ser tão presa às minhas raízes e tão feliz assim é que ainda acredito que voltaremos aos anos 80 em pleno 2000. O início da mudança pode começar nas urnas, agora em outubro. 💋
Cara Taiga. Me sinto exatamente como você descreve em seu texto mas com uma diferença, não sei se por irresponsabilidade ou talvez revolta, não fico limitado em minha zona de conforto (moro na Barra da Tijuca), e eu e minha esposa saímos para todo canto desta nossa “cidade maravilhosa”. Tomamos alguns cuidados: celulares e dinheiro escondidos, documentos antigos e algum dinheiro para sermos roubados!! Graças à Deus não tivemos problemas.
Realmente seria muito bom se pudéssemos sair sem esses cuidados.
Tenho um filho com 25 anos, engenheiro civil, empregado, que fala ingles, frances, espanhol, estuda alemão e estudou japones com a professora Reiko Kato(já falecida). Com ele, conhecemos o Japão em 2009 e virei fã deste povo sensacional. Espero algum dia poder voltar, enquanto isto não acontece, leio o seu blog para não esquecer do pais que aprendi a amar e admirar.
Saudações,
Vencer os problemas: primeiro passo eh reconhecer que existem, neh Taiguitas. E depois botar maos a obra pra resolver. Duas coisas que , convenhamos, nao eh todo mundo que tem disposicao pra fazer. Seu texto, mais uma vez, eh sentimento em palavras. Bjo.
Guto, querido! Que honra receber um comentário seu, obrigada!
A honra eh toda minha de ter o privilegio da sua amizade.
Olá querida Taiga ao ler seu post senti uma tristeza que só o luto nos traz. Acredito que você me fez sentir a dor da perda. De algo que não vou ter nunca mais. Tento, a cada dia, pensar que a cidade dos meus netos vai superar essa deseducação, violência, desorganização e tudo que nos remete ao caos em que nos “enfiamos”. Precisamos formar uma geração de esperança, garra e muito trabalho e conhecimento.
Como dizem os japoneses: Gambatte! Trabalhar duro e não desistir!