Para onde vamos agora? Sabemos que o esporte é um caminho para as crianças brasileiras, principalmente as que têm pela frente um horizonte nebuloso. Assistindo às reportagens emocionantes sobre nossos atletas que conquistaram medalhas no Rio, não me surpreendo ao constatar que nenhum deles teve seu talento descoberto na escola, por um professor de Educação Física. Ou desenvolveu suas habilidades esportivas em campeonatos entre times estudantis.
Não é a toa que para se ter esperança em um desenvolvimento real do Brasil temos que priorizar a Educação e é uma pena que de tanto isso ser falado, o tema já ganhe ares de lugar comum. Pois Educação tem que andar ao lado do esporte. Aqui em Tóquio, sempre suspiro quando passo ao lado de uma escola pública. Todas elas têm piscina, quadra poliesportiva, pista de atletismo. E olha que estou falando da cidade mais populosa do mundo e que conta com pouquíssimo espaço. Imagina o que poderíamos fazer na imensidão brasileira?
A formação de atletas não pode acontecer isoladamente, ela tem que ser a consequência de um projeto educacional. Os talentos devem ser descobertos dentro da escola.
Observo meu filho entrando na adolescência e penso em todos os meninos e meninas que no Brasil a partir dos 12 anos passam a estudar de manhã e chegam em casa na hora do almoço por causa do inaceitável meio período do currículo brasileiro. Ao meio dia, o menino ou menina adolescente chega em casa, na maioria das vezes vazia, porque os pais estão no trabalho. Isso quando eles têm pai. Quantas famílias hoje só contam com as mães, e quantas delas não engravidaram adolescentes, vítimas dessa mesma deficiência na educação pública que já contamina tantas gerações brasileiras? Pois é. Todos sabemos que muitos desses adolescentes que chegam da escola na hora do almoço nas comunidades desassistidas do nosso país caem na criminalidade e se desencaminham simplesmente porque não contam com outra referência, estão abandonados pelo sistema.
Tanto se fala que o esporte pode salvar essas crianças. Mas insisto que falta associar o esporte à educação. Não podemos nos contentar somente com os belos exemplos de atletas que surgem projetos como o Instituto Reação, que formou a vitoriosa Rafaela Silva. Precisamos que meninas e meninos como ela sejam tratados com a mesma seriedade e empenho pelo Estado. O Brasil só vai se transformar quando contar com uma educação pública em horário integral de qualidade.
Quis trazer para o blog um pouco da experiência que estou vivendo aqui nessa área. Acompanhando o trabalho dos professores dos meus filhos, aprendi que aquela aula de educação física que eu tinha na escola nada tinha de educação, era mais um recreio divertido para os que gostavam de esporte e um martírio para os que não tinham habilidade com a bola (como eu).
O belga Adriaan Defraeije, professor de educação física e saúde, ensina às crianças muito mais do que um simples jogo de bola. Tive o privilégio de entrevistá-lo para trazer a vocês um pouco do que estou aprendendo aqui.
O programa de educação física e saúde trabalha em consonância com a missão da escola: desenvolver crianças conscientes, com capacidade de pensar de forma independente e equilibrada e com responsabilidade social e global. Já expliquei com mais detalhes esse currículo aqui no blog em muitos outros posts.
O objetivo da disciplina de educação física, que se dá 3 vezes por semana, é muito mais abrangente do que simplesmente o desenvolvimento de habilidades esportivas. Toda a semana os alunos têm uma aula direcionada à saúde, onde aprendem sobre nutrição, hábitos saudáveis e no caso dos adolescentes, puberdade. Os meninos e meninas aprendem a se respeitar, a entender as mudanças físicas e emocionais dessa idade tão complicada. Nas palavras de Adriaan (traduzidas por mim):
A disciplina “não é chamada de Esporte, mas Educação física e de saúde. O objetivo é muito mais abrangente do que o desenvolvimento das habilidades físicas. A parte da saúde é direcionada à saúde pessoal e também a questões da saúde da comunidade”. “O nosso objetivo é ajudar os alunos a serem cidadãos ativos e saudáveis na sociedade. Ao entender a importância da nutrição, higiene e primeiros socorros, os jovens crescem com respostas ao invés de perguntas e incertezas. Assim eles se tornam mais confiantes ao crescer fisicamente e socialmente”.
Adriaan, que já ensinou em escolas internacionais da Espanha, Tanzânia, China e agora Japão, usa a tecnologia como ferramenta de educação, o que pode parecer contraditório se pensarmos que sua aula é de educação física.
“Muitos entendem que o uso de tecnologia leva o aluno a ficar sentado e passivo. Porém, quando utilizada com um propósito e cuidadosamente aplicada, a tecnologia pode levar a um melhor entendimento dos movimentos, à análise do que está incorreto e de como se pode melhorar. Eu posso dizer cinco vezes a um aluno que ele precisa fazer algo diferente e isso ter um impacto pequeno. Mas quando eles se vêem cometendo o erro na tela, vão tentar com mais empenho corrigir o movimento. A tecnologia leva a um entendimento melhor e mais profundo. Tenho certeza que todos os medalhistas de ouro tiveram alguma forma de tecnologia inserida em seu treinamento. É uma ferramenta boa demais para ser ignorada”.
É importante eu acrescentar que a tecnologia também permite que se desenvolva uma interdisciplinaridade na escola. As crianças aprendem física e matemática ao calcularem a trajetória da bola. O conhecimento da aula de física também ajuda a criança a entender e aplicar a força e o direcionamento certo da bola em direção à cesta.
Na ressaca das Olimpíadas do Rio, escrevo esse post para não esquecermos de que o esporte pode sim ajudar a construir um futuro de desenvolvimento, inclusão e vitórias para o Brasil. Mas não se pode falar de esporte sem associá-lo à educação. Não se pode falar de futuro sem incluir nele uma reforma educacional radical, com um ensino em horário integral para todos e conectado ao século 21. Chega de ser o país do futuro, porque o futuro com o qual sonhamos já é presente em muitos lugares do mundo e ele se constrói na escola.
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[…] Não vou me alongar nessa comparação porque o que nos interessa é o Brasil. Em que tempo vive o Brasil? A teoria que vou arriscar aqui é que vivemos no presente, um presente que se repete como em um disco arranhado. Os problemas são sempre os mesmos, as soluções são sempre óbvias e a falta de investimento nelas é permanente. Para transformar o Brasil, só investindo em educação, em tempo integral e com qualidade. Não é uma receita mágica, é uma receita que já foi comprovada. Discuti um pouco esse assunto em meu último post. […]