Palavrinha curta, três sílabas. Parente da coerência e da honestidade, inimiga do individualismo e da hipocrisia. Deveria permear o comportamento de todos, sempre. Já a falta de ética está tão presente que muitas vezes não nos damos conta do seu poder de destruição. O caminho correto pode ser às vezes o mais difícil; com um jeitinho, rapidamente o problema é resolvido e seguimos com a vida.
Escrevo por aqui o que aprendo de construtivo com uma cultura tão diferente da minha. O Japão é perfeito? É lógico que não. Tenho muitas críticas, mas as guardo para mim. Não acho ético um estrangeiro falar mal de um país que não é o seu. Outro dia um inglês fez uma piada sobre o Rio envolvendo a violência nas praias. Ele não sabia que eu era brasileira e carioca. Fiquei irritadíssima, mesmo sabendo que ele tinha razão.
Violência aqui não tem. Mas discordo de muitos aspectos da sociedade japonesa. Se publicasse algumas das histórias no mínimo esquisitas que presencio aqui, poderia até ganhar muitos cliques, mas o que isso acrescentaria para os meus leitores brasileiros? Prefiro repetir e aprofundar exaustivamente a regra de comportamento que mais me maravilha aqui: em ambientes públicos, o bem estar coletivo é mais importante do que o individual.
Minhas reflexões me levam a desconfiar que a sociedade japonesa funciona tão bem coletivamente porque aqui o individualismo egoísta é imperceptível. Aliás, sinceramente, acho que individualismo egoísta é uma redundância… Ao dividir um espaço, o cidadão que se guia pela valorização da coletividade não pensa só em si mesmo, mas também no todo. Esse todo abarca as outras pessoas e o ambiente que elas dividem. Explico: não é só respeitar o próximo, é cuidar com carinho do bem compartilhado – o metrô, a praça, a calçada, o jardim. Aprofundo esse tema em dois posts: Outros e O lixo é de cada um.
Importante observar que o Japão é um país democrático e capitalista.
O respeito ao outro está impregnado culturalmente aqui. Um exemplo que é prova disso: se perdemos alguma coisa, seja um lenço ou uma carteira, quem encontra tem a delicadeza de tirar do chão e colocar no alto, à vista do dono que pode voltar para procurar. Uma amiga que mora aqui há muito tempo me contou que estava fazendo sua corrida noturna e percebeu que um homem começou a correr atrás dela. Ela correu mais rápido para fugir, depois de muito tempo ele cansou e desistiu. Só depois ela percebeu que tinha deixado os óculos cairem. Ele estava correndo para devolver. Para me proteger dos comentários defensivos que com certeza receberei aqui, é claro que sei que muitos e muitos brasileiros são honestos e também correriam atrás para devolver os óculos. Só que no Brasil, esse comportamento é exceção e até vira notícia. Quantas vezes já não lemos sobre taxistas que devolveram dinheiro de passageiros descuidados? Aqui é regra. A notícia seria se a pessoa não recuperasse o que perdeu.
E o jeitinho brasileiro, onde é que fica? Confesso que cada vez mais implico com ele. Normalmente o raciocínio para defendê-lo é assim: já que nada funciona como deveria, já que as regras não são respeitadas, vou me virando como dá. O que importa é me livrar do meu problema, o outro que se resolva depois. É triste demais constatar o quanto são comuns no Brasil frases como estas: “não é problema meu”, ” o que eu tenho com isso?”, “já que todo mundo faz, posso fazer também”, “vai em frente, ninguém está olhando”, “achado não é roubado”.
Nos indignamos com a corrupção indecente que domina o poder público e temos sim que combatê-la. Mas eu também considero indispensável a vigilância permanente de cada um com seus atos. A conduta individual não deve ser pautada em detrimento dos outros, mas sim em função dos outros.
Esse vídeo explica bem como a ética deve estar presente até nas atitudes que a princípio podem parecer insignificantes. O comercial foi produzido pelo diretor David Tsui para o banco UOB, baseado em Cingapura.
Como está sem legenda, explico a cena final: para entrar no carrossel, crianças de até 5 anos pagam menos. O pai diz para o funcionário que o filho tem 6 anos. O funcionário observa que ele não perceberia se o pai tivesse dito que ele tinha 5 anos. O pai responde, apontando para o filho: mas ele perceberia.
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Taiga,
Concordo com você quando escreve que o bem coletivo deve ser mais valorizado que o bem individual em espaços públicos. Apesar disso, acredito que o motivo pelo qual os japoneses agem dessa maneira é pelo forte individualismo. Creio que por serem bastante individualistas, há um respeito e reconhecimento do “espaço” do outro. Isso me veio a cabeça pensando em alguns aspectos de outros países e comparando ao Brasil.
Sinto o Brasileiro como um povo extremamente coletivo, no sentido de comunicação e, poderíamos dizer assim, cuidar da vida dos outros, mas devido a isso acabam sem identificar os limites entre o “meu”, o do outro e o público.
Enfim, é só uma maneira de pensar diferente que converge para o mesmo ponto.
Abraço.
Interessante seu ponto de vista, Rafael. Obrigada pela contribuição, que enriquece esse espaço.
[…] de tijolos ideológicos. Devemos nos prender sempre e somente aos princípios éticos. A ética é o remédio para a angústia gerada pela constatação de que vivemos em um mundo complexo, […]
Excelente texto, parabéns. Pena não ser divulgado reflexão do nosso povo.
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Taiga,
Concordo contigo. O coletivo é um bem tão valorizado que talvez seja esse um dos segredos que explicam esta sociedade. Existe também um certo amargor, especialmente em algumas pessoas que conheço e que aqui moram há mais de 5 anos. Pessoalmente, acho que devemos desabafar de vez em quando, mas não fazer campanha contra sempre que tiver a oportunidade. Eu não falo mal do Brasil apenas por falar sem que me perguntem especificamente sobre algo negativo, pq também, florear ou mentir não é legal. Na escola de japonês me perguntaram o que não era legal de se fazer no Brasil, e eu respondi que era comer fazendo barulho rs. Eu também encontro algumas coisas que trazem desconforto no dia a dia aqui em Tokyo, coisas que no Brasil eu nunca tinha visto acontecer ao vivo, mas no final, vindo pra cá, eu troquei alguns problemas graves por outros que embora irritantes, dá pra superar sem maiores arranhões.
Grande abraço
Minha filha, que também é jornalista, compartilhou o texto sobre a liberdade de andar didistraída. Como já tive a oportunidade de morar no exterior, entendo muito bem o que você sente. Comecei a ler outros e, acabei me identificando com as coisas que você escreve. Estou tentando exercer meu direito de denunciar coisas que acabaram virando rotina na vida dos brasileiros. Quer um exemplo? A desonestidade das empresas de telefonia e de TV a cabo no Brasil. Estou escrevendo uma carta que pretendo anexar ao processo que estou movendo contra a Sky, sem falar nas outras que já entraram para a minha lista. O que pretendo pedir é algo cujo valor é inestimável. Pretendo pedir RESPEITO! Já movi uma contra a Editora Três e, graças ao entendimento do Juiz, ganhei a causa. Pretendo divulgar a carta nas redes sociais, pois, atualmente, acabaram se tornando um instrumento de divulgação valioso para a população. Precisamos aprender a praticar o dever de cidadão denunciando o que está errado, não apenas criticando, mas também agindo. Só assim, garantiremos um futuro melhor para nosso país. Um abraço