Diante do câncer exposto com todas as suas metástases à nossa frente, me pergunto: como ele nasceu, se enraizou e cresceu tanto? É fato que a corrupção está espalhada pela sociedade brasileira, em diversos níveis, do jeitinho ao planalto central. É fato que é preciso renovar a classe política, votar melhor, fiscalizar, reconstruir nossa democracia depois de libertá-la de quem a sequestrou. Mas o que acontece em exagero nos círculos de poder está também presente na vida de cada um. Infelizmente é fato que comportamentos inaceitáveis em outras sociedades são normais no Brasil.
Em minha última viagem ao Rio, ao tentar explicar para o meu filho os inacreditáveis escândalos, disse que em nosso país colar na prova é normal. Fiquei feliz com a reação dele. “Como assim?” A educação que o Felipe recebe vivendo no Japão e estudando em uma escola que ensina a ser socialmente responsável impede que ele compreenda uma atitude como essa. Para ele, colar é simplesmente inadmissível. Ponto.
Vivendo em Tóquio vejo como é possível uma sociedade se construir a partir da honestidade e do respeito. As regras de conduta são simples, óbvias, racionais. Não é possível considerar a hipótese de tomar posse do que não me pertence por direito ou mérito. Simplesmente não existe o “achado não é roubado”.
O respeito ao espaço do outro permeia o comportamento de todos, por isso não se faz barulho dentro do trem. O espaço público – calçadas, praças, parques, ônibus, metrô – não são usados, são compartilhados. O uso seria egoísta, predatório e individual. O compartilhamento é democrático, generoso e coletivo.
Por que aqui não há latas de lixo nas ruas e os poucos garis só trabalham para varrer as folhas que caem das árvores? Porque aqui o lixo é de cada um. Por que aqui ando de bicicleta em paz por toda a cidade, mesmo não contando com ciclovias? Porque há respeito. E o maior presente que recebi aqui foi a liberdade de andar distraída, privilégio que nunca tive no Rio.
Uma sociedade construída a partir dessas regras óbvias e simples é uma sociedade ética. E é impressionante observar como foi fácil para mim me adaptar, mesmo sem falar a língua, porque a convivência de cidadãos conscientes de seus deveres acontece sem conflitos. Complicado é viver aonde as regras básicas de conduta são sempre retorcidas, adaptadas de acordo com interesses individuais.
Entendo que diante da vida quase impossível de grande parte dos brasileiros o jeitinho e a malandragem muitas vezes são necessários, mas esses valores são um efeito colateral da sociedade doente, não devem ser valorizados como traços culturais. Vejo com otimismo que a ferida está sendo exposta, espero que depois da purgação venha a limpeza e o renascimento de uma sociedade em outros termos. Baseada na simples lógica da honestidade.
[twitter-follow screen_name=’Taigag’]
[…] via Dia Mundial de Luta Contra a AIDS — Miscelânea […]
Eu assino embaixo todas as tuas assertivas. A civilidade, no fundo, é uma escolha ética da maioria de uma sociedade. Seja ela um minúsculo município de 1.000 almas, em que ainda existe o senso de pertencimento e de responsabilidade personalíssima pelo fato de ser conhecido de cada um e de todos, seja um Japão, uma sociedade enorme e impessoal. A civilidade no âmbito pessoal é o motor de todas as outras conquistas social. Aqui, infelizmente, ainda se louva a infringência, o infringente, aquele que desrespeita e leva vantagem. E pior de tudo, ultimamente se desacreditou de vez a autoridade e se blindou a delinquência. Pobre Brasil.
Dá uma tristeza, não é? Obrigada pelo comentário, um excelente complemento ao que eu escrevi. Para o Brasil mudar, é preciso que ele seja visto com clareza, como você fez nessas palavras.
Excelente post. Os hábitos brasileiros são realmente terríveis… colar na prova, achado não é roubado, jogar lixo na rua, atravessar de qualquer jeito, pagar uma coisinha pro policial… Difícil demais…
taiga, as pessoas com mais recursos conseguem ter esse tipo de conhecimento e discernimento. Conhecer outras culturas mais evoluídas, nos ajuda a reconhecer isso com facilidade. Educação é a única solução para nossas mazelas. Eu moro em caxias e fico incomodado com a quantidade de lixo que fica ao longo do dia no chão da cidade. Parece que isso acontece, também, em suas próprias casas. Quando fazem isso, é individual e não coletivo. Ninguém tem esse comportamento de se questionar. Começou a mudar na cidade do RJ, depois que o ex-prefeito Eduardo Paes sancionou a lei do lixo multando o cidadão que é pego jogando lixo no chão ou em lugares impróprios. Aqui, para as coisas acontecerem, é preciso da “chibata” e isso me chateia muito. Não é orgânico, é obrigado!
Muito lúcida a sua visão, Wagner! Tem toda a razão. O Brasil tem um grande caminho a percorrer e pessoas como você são muito importantes, cada tijolo dessa construção tem muito valor!!
Excelente! Todos brasileiros deveria refletir sobre o se passa em nosso país e praticar a ética, a honestidade, a cidadania para que no futuro, mesmo que longe, possamos nos orgulhamos de ser brasileiros.
Também concordo que temos muito que aprender. Ser honesto aqui no Brasil é quase um comportamento excepcional, quando deveria de ser algo óbvio, natural. Sou muito apaixonada pelo Japão, e pelo povo japonês. Bem que podíamos nos espelhar neles!
Mas que lindo que deve ser o Japão 🙂
Excelente reflexão Taiga. Penso exatamente como você até mesmo porque, foi essa a educação que recebi de meus pais. Na minha visão, o que acontece no país, mais do que uma crise política, vivenciamos uma crise ética no coração da sociedade e que se reflete em todas as áreas. Enquanto a sociedade não mudar sua forma de pensar e agir, nada mudará. Já observo pequenas e sutis mudança acontecendo. Isso levará tempo pois a sociedade carece amadurecer.
Tem toda a razão, Roseli! Também fui educada assim, e como nós, muitos brasileiros. Mas mesmo quando os pais são conscientes, tantos jeitinhos e malandragens são considerados normais e até valorizados… A diferença que sinto vivendo em um país onde isso não acontece é incrível!
Faço ideia Taiga! Confesso que gostaria de viver numa sociedade assim.