Zen

Dois valores da filosofia Zen me tocam profundamente: a impermanência e a imperfeição. Escrevi sobre o primeiro no post Ciclos. A floração das cerejeiras é uma metáfora para a efemeridade da vida, que como diz a expressão tão conhecida, é um sopro. As passagens das estações aqui no Japão são celebradas por diversos rituais, que marcam as transições entre o que termina e o que se inicia. Temos aqui 4 períodos muito diferentes durante o ano, o clima temperado e as condições geográficas do Japão permitem que se viva intensamente o verão, o outono, o inverno e a primavera. Agora vamos entrar no outono, o calor intenso e o verde dão lugar a uma temperatura amena e aos tons de amarelo, laranja e vermelho das folhas. Depois elas caem em um prenúncio do frio que vai chegar. A natureza ajuda quem vive aqui a enxergar os ciclos de começo, meio e fim que se repetem continuadamente.

A meditação, prática milenar aqui e que felizmente se espalha pelo mundo, ilumina a impermanência. A cada inspiração e expiração há um começo e um fim, contração e expansão, absorção do novo e expulsão do que não serve mais. A renovação da vida acontece dentro de nosso corpo a todo o momento. Prestar atenção à respiração é a ferramenta mais poderosa que eu conheço para olhar para dentro, focar, me desprender dos pensamentos que só servem para gerar ansiedade e sofrimento, me concentrar no que importa.

A consciência da impermanência nos ajuda a valorizar o presente e potencializa a nossa capacidade de contemplar. Contemplar a nossa essência, contemplar o outro, contemplar a natureza. A vida é bem mais colorida e a felicidade muito mais palpável quando paramos e realmente sentimos o que acontece em cada momento, sem a intrusão de pensamentos difusos.

E aí posso começar a explicar o que entendo do segundo valor Zen que me fascina: a imperfeição. A contemplação se torna ainda mais profunda quando é direcionada às formas assimétricas, incompletas, austeras. A estética japonesa é muito influenciada por esses valores. Ao apreciar um objeto de arte Zen é possível ver o vazio e dentro dessa experiência, se conectar com o que há de mais fundamental e íntimo dentro de nós.

Levou um tempo para eu compreender e apreciar a beleza dessas formas tão simples e intuitivas. Diferente de priorizar a forma para atingir uma “perfeição”, aqui temos a valorização dos materiais naturais e do processo intuitivo que dá origem ao objeto. Nos próximos posts, vou mostrar para vocês vários exemplos de arte japonesa e tentar explicar um pouco mais dessa filosofia que apenas começo a tatear. Hoje deixo aqui os pequenos copos de cerâmica que comprei em um mercado de antiguidades.