Um país que se levanta

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Desde que começou a se constituir como um território unificado, por volta do século 9, o Camboja passou mais tempo de sua história em guerra do que em paz. Disputas de território envolvendo vizinhos como o Vietnã e a Tailândia foram um dos motivos que dividiram o povo cambojano ao longo dos últimos séculos. Um dos períodos mais recentes de relativa paz aconteceu durante a colonização francesa, entre 1863 e 1953, que deu lugar a um frágil governo sustentado até o fim dos anos sessenta. O outro período de paz começou há 15 anos, e tomara que dure para sempre.

Depois de uma guerra civil entre 1970 e 1975, foi instalada a ditadura comunista imposta pelo Khmer vermelho e seu líder Pol Pot, que aniquilou quase 30% da população, entre 2 e 3 milhões de pessoas. O número de mortes é difícil de ser estimado porque muitas comunidades desapareceram completamente, não restando registro nem memória de quem se foi. O regime sanguinário foi seguido por mais uma longa guerra civil que durou quase 20 anos. Nosso guia, Ratha, teve a sorte de nascer em uma cidade grande nessa época. Elas ficaram cercadas pelo exército durante a guerra, e só a parcela de 15% da população do país que vivia nas áreas urbanas ficou protegida. Mesmo para os que ficaram na cidade, a vida era duríssima. Percorremos algumas regiões próximas da cidade de Siem Reap e Ratha descrevia com detalhes todas as plantas ao nosso redor. A população local sabe exatamente que folhas e frutos podem ser usados como alimento, remédio ou são venenosos.

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Graças ao empenho da ONU, a paz foi estabelecida em 1999 e a partir daí o país pouco a pouco se levanta, contando com muita ajuda internacional. Achei os dados da recuperação impressionantes. Em 2000, 56% da população estava abaixo da linha da pobreza. Hoje são 18% e uma nova pesquisa deve baixar o número para 16%. Os dois mais fortes pilares da economia cambojana são o turismo e a indústria têxtil, mas 85% da população está no campo.

Foi no campo que conhecemos um pouco da vida desse povo tão sofrido mas que respira aliviado por não estar mais em guerra. Percebi a ausência de homens velhos, triste consequência do passado recente trágico. Vi poucos sorrisos nos rostos das avós, presentes em quase todas as casas que vi. Elas carregam cicatrizes demais. Tirei tantas fotos que consegui capturar esse momento raro de uma matriarca budista.

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Muitas casas são construídas em madeira e têm o telhado feito de folhas de palmeira, materiais coletados na própria região. A grande riqueza é o arroz, e por isso as áreas mais úmidas são bem mais prósperas do que as que sofrem mais com a seca. Na região mais alta do país só é possível fazer uma colheita de arroz por ano. Algumas famílias têm uma vaca ou boi no quintal, usados principalmente para o transporte de carga. Notei que estavam bem magros. Esta aqui tinha acabado de dar cria:

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As escolas são muito simples. Algumas têm o privilégio de contar com a ajuda de organizações internacionais, expliquei um desses exemplos no post Escola no Camboja. A escola da foto ainda não teve essa sorte, mas as crianças estão sendo alfabetizadas. Hoje 96% das crianças estudam até o sexto ano, 34% até o nono e 21% completam o ensino fundamental.

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A energia elétrica é ainda muito escassa. Mais grave ainda é a falta de água, problema aos poucos sendo solucionado com a construção de poços, muitos doados por famílias ou empresas estrangeiras.

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Gostei demais de conhecer uma parte do Camboja e espero voltar. Foi emocionante testemunhar um país que se levanta aos poucos, onde o trabalho da ONU e da Unesco funcionam, onde várias nações como Japão, China, Estados Unidos, Alemanha, Índia e Coréia do Sul juntam forças para ajudar. Onde podemos ver que paz, comida e água são um tesouro. Eles têm um caminho longuíssimo pela frente, mas começaram do zero, estão avançando e valorizam muito o que já conseguiram conquistar.

Penso no meu país, tão rico e que desperdiça tanto o que tem. Penso na abundância de água, minério, petróleo, no sol e no vento que poderiam gerar energia limpa, na imensidão de terras férteis e na ausência de catástrofes naturais e de guerras no Brasil. Não tivemos nem uma ínfima porcentagem das tragédias que já atingiram tantos países que tenho visitado. O que posso fazer é ir contando por aqui as histórias que testemunho…

 

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Levei alguns brinquedos dos meus filhos para as crianças, olhem que carinhas lindas!