Um dia inteiro sem eletricidade ou fogo, sem sair às ruas, sem trabalhar ou se divertir. Isso acontece em Bali, uma vez por ano, no feriado que eles chamam de Nyepi. Durante 24 horas, os balineses ficam todos em suas casas, com a eletricidade desligada. Nenhum carro pode passar nas ruas, só os de emergência. Quando anoitece, não se pode acender nem uma vela, escuridão total. Este ano o Nyepi caiu no dia 31 de março, e eu estava lá. É claro que tratei de pesquisar e conversar com os locais para saber todos os detalhes e contar para vocês.
O Nyepi é o dia seguinte de uma cerimônia hindu chamada Pengerupukan, o último dia do ano balinês. Cada vilarejo organiza uma parada onde gigantes bonecos feitos de papel e bambu, chamados de Ogoh-ogoh, são destruídos pela população. Eles representam toda a negatividade do ser humano e podem ter a forma de animais, gigantes ou o que a incrível criatividade dos balineses for capaz de produzir. Tirei muitas fotos de vários que ficaram de pé dois dias depois da cerimônia, e estavam expostos na linda praia de Kuta:
Sentimentos como raiva, ganância e inveja são personificados nas impressionantes criaturas, e a cerimônia de destruição delas serve para que o mal seja expurgado por todos, como uma catarse coletiva. É o que eles chamam de purificação da negatividade do homem.
No dia seguinte, o Nyepi, o silêncio simboliza um renascimento para o novo ano.
As quatro regras básicas do Nyepi, tradição milenar que começou bem antes de existir luz elétrica são:
Amati Geni: proibição do fogo (eletricidade);
Amati Karya: proibição do trabalho;
Amati Lelungan: proibição de se locomover (ninguém sai de casa);
Amati Lelanguan: proibição de qualquer tipo de divertimento.
Logo imaginei que nove meses depois do Nyepi devem nascer muitos bebês… A resposta é não. A proibição de qualquer tipo de divertimento é levada à risca!
Muitos também jejuam, mas hoje isso não é mais obrigatório. Se alguém quiser cozinhar, deve acordar bem cedo e preparar tudo até às 6 da manhã, porque a partir daí nem pensar em ligar o fogão…
Uma balinesa me explicou que as famílias que têm bebê devem pedir uma permissão especial por escrito para acender uma luz bem fraca em casa. Os Pecalang são os únicos que têm permissão para andar nas ruas e são encarregados da fiscalização do ritual. Se eles virem alguma luz, por mais fraca que seja, emanando de uma janela, vão bater na porta da família para checar o documento.
O aeroporto de Bali fica fechado, e a TV sai do ar. Todos respeitam a tradição, mesmo a minoria não-hindu. Os turistas têm que ficar dentro dos hotéis, e não podem ir à praia. Os funcionários dos hotéis podem trabalhar, mas devem chegar antes das 6 da manhã e só podem voltar para suas casas 24 horas depois.
Um dia inteiro para ficar em silêncio, relaxar e como eles dizem, libertar a alma de tudo o que é negativo. Um tempo para pensar nos erros do ano que passou e se preparar para não cometê-los novamente. No dia seguinte do Nyepi, chamado de Ngembak Geni, todas as atividades sociais são retomadas e as famílias e amigos se reúnem para pedir perdão pelos erros do ano anterior.
Belíssimo ritual! E que se tornou ainda mais interessante pela riqueza de informações da sua crônica. A passagem me fez lembrar uma viagem à Ilha de São Lucas, no norte do Maranhão, em 2006, onde não havia luz elétrica. Passei três dias lá dormindo em rede e comendo peixe à luz de velas – nenhum ritual religioso!!! À noite, os moradores se reunian na porta das casas, todas muito simples, para uma prosa à luz do luar. Conte mais, Taiga!!! Um grande beijo.
Adorei seu comentário, Viviane! Já contei muitas outras histórias aqui no blog, 65 posts! Vai ser maravilhoso ter você como leitora!
Não sei até que ponto a comparação é digna, mas aqui no Brasil não temos nada desse tipo. Acho que ter um dia do silêncio seria algo bom em qualquer cultura. Serve para pensarmos na vida, em nossas ações, nossos desejos, em suma, para nos observar.
Temos uma data que poderia ser usada com propósito semelhante, que é o dia de finados, mas ninguém nem liga para seu significado; o que mais parece contar é o dia de folga. Aqui as pessoas me parecem muito barulhentas. rs
Muito bom. Se pudéssemos fazer isso aqui seria ótimo, seria como a antiga malhação do Judas. E como tem gente para levar umas bordoadas. E que paz poderíamos ter depois. Muito legal a experiência de vcs…